#53 Episódios sobre linguagem e comunicação
The limits of my language are the limits of my world.–Ludwig Wittgenstein
Entretanto no luscofia®
É na próxima semana! Depois de uma óptima primeira edição, volto a fazer o webinar Parentalidade para Freelancers, melhorado pela experiência.
Ainda te podes inscrever (ou convidar alguém que ande a pensar neste assunto dos filhos) e, como subscritor da newsletter, deixo-te um código de 10€ de desconto — LUSCOFUSCO10
Para um dos capítulos do meu doutoramento fiz entrevistas. Conhecia alguns dos entrevistados, mas outros não; um deles, disponível para me receber e mostrar o seu espaço de trabalho, não conseguiu responder às minhas perguntas. Nunca me senti tão confrontada com o facto de viver numa bolha de pessoas que partilham o mesmo vocabulário, sabem enumerar desafios e obstáculos, e produzir algum raciocínio quando perguntadas como caracterizam o território onde vivem. Ele não sabia, e a culpa era da minha falta de noção, mesmo que tenha reformulado as perguntas várias vezes mas mesmo assim as respostas não chegavam. Não sei como responder, dizia-me, falta-me a palavra. Mudei de planos e conversámos sobre o trabalho dele, sobre o grupo informal em que estava envolvido e como funcionava a relação com a Câmara Municipal. Foi uma entrevista, mas não pode ser usada no trabalho.
O meu filho aprende várias palavras novas (plural) todos os dias. Acho que todas as crianças perto dos 2 anos o fazem, não tenho meio de comparação. A primeira palavra que disse foi gato, há um ano, mas hoje sabe o que é um cavalo-marinho, um tubarão-baleia, uma trotinete, um carro, ou uma empilhadora. Faz frases. A primeira que fez foi “casca maçã yaya (sim), casca banana na-na (não)” — uma come-se e a outra não. Mas não sabe o que é um popó, nem um mé-mé, nem um au-au. Não foi planeado, mas aconteceu não nos ter ocorrido entrar pelo papar, nanar, e versões infantis das palavras. Mesmo quando ele diz ma-ma-ma (vermelho, em Sanchês), ele quer dizer vermelho; se eu disser igual, ele não reconhece a palavra. Vermelho é vermelho, não é ma-ma-ma, acontece é que, para já, lhe sai assim entre o pensamento e a voz. Não usar palavras infantis não é uma limitação de vocabulário, pelo contrário, porque a dado momento íamos ter o corrigir (com 10 anos não ia dizer popó e papar). Isto tudo não impede que outras pessoas, que não o conhecem, falem com ele dessa forma, e ele, habituado a palavras completas, olha para mim confuso como quem pergunta que dialeto é aquele.
Recomecei a dar aulas de informática na Universidade Sénior. Os meus alunos, entre os 65 e os 80 e poucos, são como todos os alunos e preferem apresentações com imagens e vídeos. Há algumas semanas levei um vídeo em inglês com legendas em inglês e não me apercebi até ter carregado no play. Tive de o traduzir enquanto tocava. É difícil aprender (e ensinar) informática quando há tanta informação que não está na nossa língua.
Terminei de ler Horse e nunca pensei gostar tanto de um livro sobre um cavalo. A dado momento, um rapaz escravo que aprende a ler, mostra o seu documento de passagem a um homem branco, que o examina atentamente e diz que parece estar tudo em ordem, só que o papel está virado ao contrário.
Uma das minhas colegas de doutoramento, que já terminou, no primeiro ano, por dificuldade em compreender o inglês dos artigos científicos, traduzia tudo antes de ler. Imaginam a quantidade de trabalho extra que isso implicava? A barreira da língua, online e na leitura, é há tanto tempo inexistente para mim que me tinha esquecido como isso é, igualmente, uma bolha. Vejam, nesta newsletter faço isso. Quase todas as leituras são em inglês, assumindo que, desse lado, fazem parte da minha bolha e partilham os meus limites (amplos) de linguagem.
Qualquer limite de vocabulário é uma espécie de daltonismo. Se ele vê cor-de-laranja, vermelho, verde, castanho e eu vejo tudo no mesmo tom de castanho, ele conhece mais e compreende mais do que eu. Se ele consegue nomear alegria, contentamento, desilusão, frustração, surpresa, vergonha, gratidão, e eu vejo tudo como triste ou contente, ele conhece-se melhor (e aos outros) do que eu. O meu mundo, interior é exterior, é limitado pela minha linguagem e as portas que abro condicionadas pelas chaves que consigo ler.
Até breve,
Sofia
Para seguir
The F Side
O F Side é um coletivo independente de mulheres para mulheres na indústria criativa. Tem um diretório de mulheres da área, para eliminar a desculpa do “não contrato mulheres porque não as conheço”. Também tem apoio legal e psicológico, e tem aberto a conversa sobre o assédio e a disparidade salarial.
Da internet
One Million Screenshots
Dá uma certa vertigem, mas também perspectiva (tantas vezes o caso!). Não tem a componente de arquivo da Wayback Machine, mas pode ser uma ferramenta útil para acompanhar sites e para quem trabalha com UI/UX.
Ler/ver/ouvir
Nearly half of all internet sites run on WordPress software E por falar em sites, os sites em wordpress já são 43% do total. Sempre nos bastidores, mas com muito poder. A segunda plataforma é o shopify, com 4% de share, uma diferença brutal.
‘I Just Want a Dumb Job’ Passar muito tempo a imaginar um trabalho de sonho, super criativo e flexível, para depois perceber que é uma prisão/um pesadelo/nada do que esperávamos. Nas nossas áreas não faltam histórias do género, porque bem sabemos que há tendência para romantizar o que significa trabalhar em design, fotografia, ilustração — deve ser tão bom, fazer o que gostas todos os dias! Acho que só a culinária nos passa à frente em nível de romance vs realidade.
Fifteen Questions to Ask Your Potential New Accountant Já partilhei várias vezes links do Hell Yeah Bookkeeping, e desta vez é uma lista de perguntas para fazer a um novo ou potencial contabilista. Há milhares de contabilistas a trabalhar em Portugal, muitos deles não vão ser adequados à tua situação (porque estão mais habituados a empresas, por exemplo) ou à tua área (porque não percebem o que fazes), podem ter tipos de preços diferentes e oferecer serviços variados. Perguntar é importante para começar a relação com o pé certo.