#47 E agora, o que é que eu faço?
Millions long for immortality who don’t know what to do with themselves on a rainy Sunday afternoon.–Susan Ertz

6 notas sobre o aborrecimento
Quando era pequena lembro-me de me sentir aborrecida. Sábado à tarde, ou férias de verão, não tenho nada para fazeeeer, queixava-me à minha mãe, a arrastar-me pela casa. Para onde vai essa sensação quando crescemos?
Na faculdade, no final da época de entregas, depois de semanas intensas sem um segundo para respirar, lembro-me de me sentar no sofá castanho da nossa casa, na Rua Duque de Loulé, e lamentar-me à Diana – não sei o que fazer, agora que não há nada para fazer.
Uma noite, em 2016, enquanto jantávamos com o B Fachada antes do concerto dele que estávamos a produzir no centro de Vila Real, ele contava como era importante para ele que os filhos experimentassem o aborrecimento. Que não lhe interessava enchê-los de atividades programadas e horários preenchidos; que gostava de os ver, de vez em quando, só aborrecidos – era quando tinham as melhores ideias.
A dado momento apercebi-me que as pessoas à minha volta deixaram de me convidar para projetos e programas porque começaram a pressupor que eu não tinha tempo, que estava sempre ocupada. Vi, assim, que estava a usar esse ocupado como um crachá de falso sucesso. Isto deve ter sido em 2017 (um ano particularmente cheio) e, a partir daí, fiz os possíveis para nunca mais usar a expressão “não tenho tempo”. Digo: marcamos para a semana, no próximo mês, no final da estação, ou não consigo, não tenho interesse, não me apetece, não faz sentido para mim. Há muitas respostas possíveis – não tenho tempo é, muitas vezes, a mais fácil e a mais neutra, mas a menos verdadeira.
Estar de férias, quando trabalhamos por conta própria, é uma arte subestimada. Não é nada fácil. Marcar férias é perfeitamente possível: é uma tarefa, a logística acerta-se, as datas fixam-se no calendário, as viagens planeiam-se, mas o mais difícil vem depois – o estar de férias – como é que a cabeça para? Como é que não se verifica o email? Como é que não se escrevem newsletters? Como é que não se planeia os próximos passos? Como é que não se faz nada durante 7 ou 10 ou 15 dias?
Ser mãe não deixa espaço para o aborrecimento próprio – qualquer resquício que houvesse dele na idade adulta, foi-se. O tempo vazio é precioso e espremido ao máximo. O não fazer nada passou de tédio a luxo. Por isso, passei-lhe o testemunho: tenho a certeza disso quando anda de um lado para o outro a olhar para os brinquedos e se atira de costas para o sofá – por breves momentos, na língua dele, está a queixar-se, num sábado à tarde de verão, que não tem nada para fazer.
Até breve,
Sofia
Para seguir
A partir daqui
Este projeto-podcast-reencontro está na reta final e nem acredito. A primeira gravação foi há mais de um ano e, lentamente, fui afinando o processo. A melhor parte é mesmo conversar durante 1 hora com colegas com quem, durante o curso, posso ter trocado muito poucas palavras. É engraçado, não é? Partilhamos tanto e partilhámos tão pouco.
Se ainda não segues o podcast, já há muitos episódios para escolher, todos eles bastante diferentes. O penúltimo (#20) serei eu a responder ao mesmo guião, o último (#21), um episódio bónus.
20 ex-futuros designers, o mesmo ponto de partida, um novo episódio, um caminho diferente, todas as quartas-feiras. Obrigada a todos eles, que têm aceite o meu convite 💝
Da internet
A good movie to watch
Falar de aborrecimento em 2024 tem de incluir a infinita procura de alguma coisa para ver na (infinita) escolha de streamings, por isso, um catálogo centralizado de filmes é sempre boa ideia.
Pessoalmente, acho muito chato que o algoritmo (em particular no Netflix) tente à força toda impingir as 2 ou 3 novidades do mês que quer que vinguem — não importa o que termines de ver, a sugestão do que ver a seguir é sempre um documentário (em 3 ou mais episódios) sobre um culto ou um assassino ou uma excentricidade qualquer. Tenho tentado planear melhor o que ver, mas não é fácil fazê-lo antecipadamente. Sugestões?
Ler/ver/ouvir
Este vídeo curto do Mélenchon a dicursar no contexto do aumento da idade da reforma em França e é marcante pensar nesta perspectiva, de que somos verdadeiramente humanos no nosso tempo livre, que é o tempo das nossas decisões, que a luta pelo tempo livre é a luta pelo direito a uma pausa na existência e na produção.
How to Do Nothing, um livro que está na minha lista há algum tempo e passou para o topo depois de o ver mencionado pela Ana Vargas Santos no contexto do livro que ela mesma escreveu (e que estou ansiosa por ter nas mãos!).
How to Be at Home, um filme de animação (muito) curto que é uma ode à altura das nossas vidas campeã do aborrecimento, do medo e da oportunidade, a pandemia. É diferente ver um filme destes agora, mas há qualquer extra que a retrospectiva traz. oh, we are connected, we forget this but we always knew.
How to Rest Well, um artigo que é um guia para descansar. Parece óbvio, não é? Mas, se calhar, não é assim tanto e é boa ideia assumir que não somos especialistas a fazê-lo. Muito completo e motivado, com várias referências para não ficar por aqui no mundo do descanso.